Não é só no Brasil que a taxa de juros está em alta. O Federal Reserve, autoridade monetária americana, tem dado sinais de que fará um movimento parecido nos Estados Unidos, com três elevações de juros neste ano, a primeira já em março, além de outras medidas de corte de estímulos à economia, como o fim das compras mensais de títulos públicos.
A preocupação que está levando o Fed a endurecer sua política monetária é uma alta de preços que atingiu níveis não vistos desde a década de 80. A inflação nos EUA em 2021 chegou a 7% ao ano, a mais alta desde 1982. Depois de um programa de socorro trilionário, a economia do país está se recuperando rapidamente, com desemprego caindo, salários crescendo e consumo indo na mesma toada – o que alimenta a alta dos preços.
Esse cenário é de alerta também para os outros países. Os Treasuries, títulos de renda fixa americanos, são considerados os investimentos mais seguros do mundo. Quando o Fed aumenta os juros, torna esses papéis ainda mais atrativos e isso atrai um fluxo enorme de dólares para os EUA. Dólares esses que saem de outros mercados, incluindo o Brasil. Isso repercute em todas as variáveis macroeconômicas do nosso país (juros, câmbio, inflação), além de respingar sobre os investimentos, tanto em ações como na renda fixa.
Como os bancos centrais dos outros países reagem ao movimento do Fed? Eles precisam elevar suas próprias taxas de juros para acompanhar essa alta? Quando o Fed americano, o Banco Central Europeu ou o Bank of England sobem suas taxas de juros, na prática eles estão aumentando o retorno sobre os investimentos feitos em suas moedas – dólar, euro e libra, respectivamente. Voltando aos EUA, o investimento em dólar tem um risco muito menor que o investimento em real. Então, quando ele começa a pagar mais, sua relação risco-retorno fica muito mais atrativa que a do real. Ou seja, o diferencial de juros – a diferença entre os juros praticados nos EUA e no Brasil – cai.
“Quanto menor é o diferencial de juros, mais o investimento em dólar fica atrativo. Quando isso acontece, o fluxo de investimentos se desvia do Brasil e de outros países para os EUA, onde o risco é menor e o retorno cresceu”, explica o economista Victor Beyruti, da Guide Investimentos.
Isso penaliza principalmente os países emergentes, que oferecem risco maior ao investidor. O que eles podem fazer para tentar conter a evasão de dólares, que enfraquece suas moedas, é justamente elevar suas taxas de juros. “Os bancos centrais desses países tendem a atuar diante dessa situação, mas nem todos vão subir juros só porque o Fed agiu assim”, diz Beyruti.
Para quem investe em Bolsa, por que a iminente alta dos juros nos EUA é uma má notícia? Há várias razões para isso. O desempenho da Bolsa nada mais é que o reflexo do desempenho das empresas que ali negociam suas ações. Quando o governo sobe juros, isso faz crescer o custo de captação de recursos (crédito) por parte dessas empresas.
“Isso é negativo para os resultados futuros delas, e é com base nesses resultados que o mercado precifica as ações. Assim, juros mais altos aumentam a taxa de desconto sobre o valuation das empresas, ou seja, elas perdem valor de mercado e suas ações caem”, explica o economista da Guide.
A segunda razão é que os juros mais gordos dos EUA vão atrair mais investidores para lá – e eles vão tirar seus dólares de outros mercados, incluindo a Bolsa brasileira, que perde recursos.
Além disso, na medida em que o BC brasileiro tende a acompanhar o Fed e também subir juros, isso aumenta a atratividade da renda fixa, que passa a entregar retornos maiores. Assim, além da fuga de capital para os EUA, a Bolsa brasileira também enfrenta a perda de investidores para a renda fixa.
Como desgraça pouca é bobagem, a Bolsa ainda apanha com a maior volatilidade que é provocada a cada soluço do Fed. “O que explica essa volatilidade é justamente a incerteza. Quando o Fed muda sua opinião sobre a transitoriedade da inflação, isso força o mercado a também recalibrar suas expectativas quanto a inflação e juros, o que gera volatilidade para o mercado como um todo”, acrescenta Beyruti.
Há consequências também para o investidor brasileiro da renda fixa? Sim. Um ajuste mais acentuado da Selic pelo BC será sentido pelo investidor de diferentes maneiras. De um lado, os títulos pós-fixados passarão a render mais, já que seu retorno é atrelado a essa taxa.
De outro lado, quem investe em títulos prefixados ou referenciados ao IPCA vai notar que, com o aumento das taxas, o preço de mercado de seus papéis vai cair – é a chamada marcação a mercado. Assim, quem vender os títulos antes do vencimento pode acabar no prejuízo, resgatando menos dinheiro do que investiu.
A alta de juros nos EUA tende a atrair dólares para lá e provocar uma desvalorização ainda maior do real. Mas, se o BC brasileiro subir a Selic de forma agressiva, isso não vai atrair/reter investidores e mitigar os efeitos sobre o câmbio? Depende. De fato, o nosso BC pode se sentir pressionado a elevar juros, já que uma alta adicional do dólar pode ter um efeito ainda maior sobre a inflação, a inimiga que ele está tentando combater.
Mas a alta da Selic, por si só, não será suficiente para atrair mais investimentos. A decisão de trazer dólares para cá passa por uma avaliação de risco e retorno: além de aumentar o retorno, o governo precisa cuidar para que o risco não suba também. E é aí que entram nossos conhecidos fatores domésticos, como a questão fiscal.
“Não adianta o BC apenas subir juros se o governo não for capaz de controlar o lado fiscal – por exemplo, freando o reajuste generalizado dos salários dos servidores, que gera dúvidas sobre o futuro das contas públicas. Se o retorno sobe, mas o risco sobe junto, um lado acaba neutralizando a vantagem do outro e o impacto do câmbio acaba sendo negativo de qualquer maneira”, explica Beyruti.
E para o cidadão comum, que não é necessariamente investidor? Quais são os efeitos dessa alta de juros nos EUA no cotidiano dos brasileiros? Com Fed ou sem Fed, as elevações na taxa de juros brasileira já vêm sendo promovidas, como medida para tentar aliviar a pressão inflacionária. Juros mais altos estrangulam o crescimento da economia, já que tornam o crédito mais caro tanto para empresas como para consumidores, já que as taxas encarecem os financiamentos. Além disso, os juros mais altos também corrigem a dívida pública, agravando a questão fiscal. Uma alta ainda mais agressiva da Selic, a reboque do Fed, acentuaria todos esses efeitos nocivos.
Além disso, há os estragos provocados pela saída de dólares do Brasil, que força a alta da cotação da moeda norte-americana. “Com a desvalorização do real, o dólar pode chegar à casa dos R$ 5,80. Um dólar mais caro tem repercussões imediatas sobre diversos bens e serviços que têm custos dolarizados, como produtos importados e viagens ao exterior”, afirma Patricia Krause, economista-chefe da Coface na América Latina.
Mas não é apenas a classe média-alta que sente os efeitos do dólar caro no bolso. Ele também pressiona os preços das commodities que são exportadas, como a carne, e dos combustíveis, o que acaba gerando um repasse em cascata para vários outros produtos e serviços. E assim a alta dos juros nos EUA pode acabar trazendo ainda mais inflação para o dia a dia dos brasileiros.
Fonte: 6 Minutos/ UOL