A possibilidade de uma intervenção mais incisiva do governo federal na política de preços da Petrobras, que passou a ser considerada após o presidente Jair Bolsonaro indicar o nome do general Joaquim de Silva e Luna para presidir a companhia, na última sexta-feira, 19, é vista com certo ceticismo no setor de etanol, principal afetado por medidas de controle de mercado adotadas em governos passados. Entidades representativas de produtores e da indústria, no entanto, veem a necessidade de se adotar medidas para fortalecer o biocombustível e deixá-lo menos vinculado ao mercado de combustíveis fósseis.
“Não assusta essa ingerência na Petrobras, não. A gente fica preocupado com o que pode vir, claro, mas acho que é muito difícil ter uma mudança radical num mercado que já está funcionando e com grande volatilidade de preços como é o mercado de combustíveis”, aponta o diretor técnico da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), José Ricardo Severo.
Ele ressalta que não há mais espaço no mercado para o controle de preços da gasolina e defende que o governo arque com possíveis impactos de uma decisão nesse sentido. “Se o governo quer que um produto que está em livre mercado tenha controle de preços, precisa subsidiar ou não tem jeito, vai quebrar de novo a Petrobras”, afirma Severo ao lembrar dos impactos provocados pela crise de 2014 nos cofres da estatal.
“Controle de preços é uma questão que nunca foi bem-sucedida. Sempre levou a obsolescência e prejuízos para todo mundo”, completa o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar) e presidente executivo da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (Novabio), Renato Augusto Pontes Cunha.
Assim como a Feplana, a entidade defende que o governo adote medidas que aumentem a competitividade das fontes renováveis de energia para fazer frente à alta nos preços dos combustíveis fósseis.
“O nosso setor anda muito a reboque do acontece na gasolina, o que é lamentável. Somos geradores de empregos. Só no Nordeste são 300 mil diretos, então, precisamos de uma política clara que forneça alternativas de fontes de suprimento ao Brasil, mas que não coloque o etanol e a energia de biomassa simplesmente como um componente que acompanha outros combustíveis”, diz Cunha.
Ele destaca, ainda, que o governo está “perdendo tempo” ao não focar no etanol e nos biocombustíveis. “Tudo isso são mudanças de efeito querendo alterar os defeitos. É possível fazer com que a concepção e os pressupostos sejam revistos. Senão esses efeitos vão sempre continuar prejudicando o abastecimento de combustíveis no Brasil”, conclui o executivo.
Para a indústria de etanol de milho, a troca de comando na Petrobras é um ponto de atenção. Segundo o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unam), Guilherme Nolasco, a mudança na direção da empresa, em si, é legítima, mas não pode ser usada pelo governo para arbitrar ou controlar os preços.
“O problema está no câmbio ou no petróleo? Se você segura a gasolina em um preço baixo, teoricamente, tem que vender um etanol com preço baixo. Nossa matéria-prima é milho, que é bolsa de Chicago, é dólar. Será que o presidente da República também vai criar um ambiente para controlar preços do milho?”, questiona o executivo.
Em sua visão, se a intenção é deixar os combustíveis mais baratos, seria mais interessante reduzir a carga tributária. “Grande parte do custo dos combustíveis está em impostos estaduais e federais. Então, se o presidente quer levar uma gasolina mais barata para a população, é só isentar os tributos federais”, diz.
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a suspensão temporária da cobrança de impostos federais sobre o óleo diesel. A medida, contudo, não deve ter impacto significativo sobre os preços praticados no varejo, segundo avalia o diretor técnico da Feplana.
“Se o governo quer algum combustível barato, a desoneração tributária não vai adiantar porque uma hora ou outra os operadores de mercado vão pegar essas desonerações para si. O que a Feplana defende é dar maior competitividade aos biocombustíveis e essa competitividade é na comercialização, nos impostos e em todas as outras áreas”, afirma Severo.
Ele lembra também de outros pleitos do setor, como a venda direta de etanol pelas usinas aos postos de combustível. “A gente inclusive já levou esse pleito ao presidente Jair Bolsonaro destacando que é uma forma de diminuir a dependência e ter maior competitividade com a gasolina. Porque, hoje, o etanol não compete com a gasolina, ele é carregado pela gasolina”, analisa o diretor.
Fonte: NovaCana