Imagem: Plantão Enfoco
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), almirante Rodolfo Saboia, avalia que as regras de mercado para definição de preços dos combustíveis vão prevalecer, apesar do descontentamento até do próprio governo com os valores cobrados pela Petrobras.
No comando da agência desde janeiro, ele diz que um dos principais desafios do órgão é definir como será regulado o mercado de refino do país após a venda de ativos da Petrobras, que quer se desfazer de 8 de suas 11 refinarias.
Esse processo, defende, trará competição ao setor e benefícios ao consumidor, reduzindo o preço final dos combustíveis. “Mas é importante a compreensão de que o preço do petróleo vai continuar oscilando”, afirmou, em entrevista à Folha.
Como o senhor vê o cenário atual de preços dos combustíveis? Os preços atuais são justos?
Não tem resposta simples. Primeiro porque brasileiro está acostumado com uma prática que vigorou durante muitos anos, dos preços dos combustíveis serem administrados pelo governo. Só a partir de 2002 os preços passaram a ser livres, oscilando de acordo com o mercado como os demais preços. O preço do petróleo oscila muito e, além de tudo, temos o componente do câmbio, outra variável que afeta muito os combustíveis. Mas isso é o custo do produto. O preço final tem outras variáveis, como impostos e margens e, se o governo achar que determinada classe ou categoria deve pagar menos, isso é objeto de política pública, que escapa da atribuição da agência. A gente espera que, com a evolução do programa de desinvestimentos da Petrobras, com a entrada de novos agentes, isso tudo impacte positivamente a competição, de modo a favorecer o custo final para o consumidor.
A atração desse investimento não pode ser prejudicada por esse debate sobre os preços?
Na ANP, a gente trabalha com as premissas de que as regras de mercado vão prevalecer. Nós trabalhamos para fazer a regulação necessária para que esse mercado que vai surgir a partir do desinvestimento funcione. O consumidor vai acabar se beneficiando e enxergando esse benefício na hora que tiver a concorrência. Mas é importante a compreensão de que o preço do petróleo vai continuar oscilando.
A ANP vinha estudando medidas para tentar ampliar a competição e reduzir os preços, como a venda direta de etanol ou liberar os postos para comprar combustíveis de outras marcas. Como estão os estudos?
Os dois itens estão na agenda regulatória da ANP. No caso do etanol, um complicador é a questão fiscal, que está além da competência da agência. Não podemos fazer regulamentação que implique em redução da arrecadação. O processo está sendo construído a partir de uma figura nova, que é o distribuidor vinculado ao produtor [que recolheria parcela dos impostos que é hoje recolhida por distribuidoras]. Na questão da bandeira, é importante observar que 45% dos postos de revenda de combustíveis hoje são bandeirados. Os outros 55% não são bandeirados. Ou seja, a regra já não está presente para 55% dos postos. É um mercado bastante robusto que funciona desvinculado do distribuidor. Mas a lei de defesa do consumidor tem que ser levada em consideração. [A venda de produtos de outras marcas] pode significar violação da lei de defesa do consumidor. Não é antecipação do resultado [dos estudos], mas aspectos que têm que ser levados em consideração.
Alguma outra medida em estudo para o setor de combustíveis?
Adequar regulamentação ao desinvestimento da Petrobras do setor de refino, que vai exigir uma capacidade de monitoramento de estoques muito maior do que temos hoje. Estamos estudando como nos antecipar a qualquer eventual ameaça de desabastecimento quando esse mercado novo estiver em funcionamento. E precisamos que não só a ANP, mas pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica], garantam que a venda de ativos possa compor um arranjo que favoreça a competição e não o contrário.
E como garantir que, sem a Petrobras, regiões mais distantes do país, principalmente na Amazônia, continuem sendo atendidas?
A preocupação é pertinente, mas confiamos ainda que distribuidores menores e regionais vão ter esse interesse – isso tudo está no radar desse grupo. O Brasil é um país continental, mas não só isso, de grandes desigualdades em termos logísticos. Confiamos em distribuidores regionais, mas vamos acompanhar como esse arranjo vai se configurar.
Há dois anos, o ministro Paulo Guedes (Economia) anunciou o “choque de energia barata” a partir da abertura do mercado de gás, mas até agora não houve efeito. Quando virá?
Difícil fazer previsão em termos de tempo. Mesmo nos locais mais desenvolvidos do mundo, mercados mais consolidados levaram tempo [para se reorganizar]. Precisa ter um cenário bem claro e definido de que regulação vai funcionar. É importante que o projeto de lei do gás natural [hoje na Câmara dos Deputados] seja aprovado para mobilizar atores a investirem nesse mercado e aumentar a competição. Já há movimentações de agentes interessados em empreender nesse ramo, mas difícil dizer quanto tempo vai levar.
Existe a expectativa de algum leilão de concessões no pré-sal em 2021?
Já temos a 17ª rodada de licitações [com blocos fora do pré-sal] prevista para 7 de outubro. Além disso, mais um ciclo da oferta permanente [de áreas devolvidas ou sem interessados em outros leilões], dependendo da manifestação de interesse. Também aguardamos o encerramento das negociações entre PPSA [Pré-Sal Petróleo SA] e Petrobras para realizar mais um leilão do excedente da cessão onerosa, com as áreas que não saíram no leilão anterior. Ao fim das negociações, teremos um cenário mais claro sobre as condições da compensação à Petrobras para medir o apetite dos interessados.
Mas dá para fazer um leilão na pandemia, com restrições à circulação de pessoas?
Está marcado para outubro e até o momento está mantido, temos confiança de que vamos conseguir realizar. É importante que haja calendário previsível de leilões, para manter a indústria com planejamento, em atividade, movimentando todo o setor voltado à exploração e produção.
Em leilões da oferta permanente, há casos de empresas que pagaram bem mais barato por áreas vizinhas às adquiridas em leilões normais. Isso não é ruim para o contribuinte?
Olhamos a oferta como um modelo bastante promissor. Ele inverte a lógica, porque é movido pelo interesse do produtor. Na medida em que tivermos áreas mais promissoras, vamos ter propostas mais promissoras. Se tiver área boa, não vai ser o modelo que vai atrapalhar a oferta do produtor. O interesse está na qualidade da área. Mas, obviamente, tem que se considerar as condições em que o leilão se dá, o cenário prospectivo, as cotações das commodities, isso varia muito e pesa na decisão. Por isso, é importante considerar que há um processo de transição energética em andamento e ele não vai esperar aqueles que ficarem esperando o preço do petróleo subir.
Petroleiras com concessões na região da foz do rio Amazonas têm encontrado dificuldades para obter licença ambiental. A ANP ainda acredita que aquela bacia terá exploração?
Toda atividade humana implica em impactos ambientais, e a exploração de petróleo não é diferente. Tem que ser feita com todo cuidado porque os impactos são muito severos. Então, a sociedade elege os riscos que está disposta a aceitar, por meio da legislação. E os órgãos de competência ambiental, a partir desse balizamento legal, fazem a sua normatização. Os pedidos de licença foram encaminhados ao Ibama, que por enquanto não liberou em nenhum. Mas acho que este assunto não está encerrado.
Fonte: Nova Cana