A perspectiva de aumento no custo da produção industrial é um cenário certo no curto prazo e muitíssimo provável no médio. A desvalorização do real sobre o dólar e o desequilíbrio entre oferta e procura de matérias-primas utilizadas na produção são fatores que não deverão arrefecer tão cedo. No primeiro trimestre de 2021, não fosse o aumento da receita e ganhos de eficiência, muitas empresas teriam sentido o impacto em seus resultados.
A principal medida do tamanho desse desafio é a margem bruta. A pressão dos preços das commodities foi o principal fator para a queda de 1,2 ponto percentual nesse indicador no Grupo Mateus no primeiro trimestre deste ano, quando alcançou 23,9%, como explicou Ilson Mateus, presidente da companhia em teleconferência de resultados, que aconteceu na última sexta-feira (14/05).
Justamente pelo risco de compressão das margens, o tema foi um dos mais recorrentes nas perguntas feitas nas conferências com analistas de muitas empresas de capital aberto nas últimas duas semanas. A considerar pelas respostas dos executivos dessas companhias, o cenário de custos altos de produção ainda vai exigir muita atenção da cadeia como um todo. Administrar esses aumentos apresenta ainda uma complexidade adicional: a redução da renda do consumidor, o que dificulta que os repasses aconteçam na proporção necessária tanto para fabricantes quanto para varejistas.
Segundo Lorival Luz, CEO global da BRF , o custo médio de estoque de grãos e de outros insumos e matérias-primas continuará em alta na segunda metade deste ano. “Temos muita competitividade na nossa área de suprimentos, mas, para o segundo semestre, esses custos impactarão não para a BRF apenas, mas para toda a indústria”, disse em videoconferência de resultados, no dia 13/05. O executivo ressaltou que, no caso dos grãos, por exemplo, existe um desafio nas próximas safras, que deverá ter impacto nas margens dos fabricantes.
Durante o primeiro trimestre, uma parte do aumento foi repassado ao varejo, o que levou a companhia a perder market share em algumas categorias. Em embutidos e margarinas, a queda foi de 1,2 ponto percentual, para 41,8% – participação que ainda garante a liderança à empresa. Sidney Manzaro, VP de mercado Brasil, explicou, na mesma videoconferência, que, por ser o maior player desses segmentos, a BRF acaba liderando o movimento de repasses, sendo seguida pela concorrência com um atraso de dois a três meses. Por essa razão, a perda de participação é considerada algo temporário pela companhia. O executivo ressaltou ainda que, diante da continuidade de avanço dos preços de insumos e matérias-primas, é inevitável que novos reajustes se façam necessários no segundo trimestre. “Mas não temos visto resistência do varejo, uma vez que o cenário é de conhecimento de todos”, ressaltou.
A gigante JBS também afirma ter conseguido fazer repassar custos. “Essa é uma questão estrutural. Todas as proteínas têm tido esse movimento de alta”, disse Wesley Batista Filho, CEO da Seara e da JBS América do Sul, na teleconferência da companhia, também realizada em 13/05. No primeiro trimestre, a Seara – considerando operações dentro e fora do País – registrou um aumento de 13,8% nos preços de venda. Esse percentual, explicou Batista Filho, não foi alcançado apenas pela adequação do custo. É composto ainda pela melhoria do mix, focado em marcas, produtos de alto valor agregado e inovações, o que tem ajudado a fechar a diferença de preços em relação à concorrência. Além disso, acrescenta o executivo, a companhia vem trabalhando de forma mais eficiente para compensar o aumento dos custos de produção.
Mas a perspectiva é de que a pressão não vai arrefecer tão cedo. Em entrevista à Reuters, no final da semana passada, o CEO Global da JBS, Gilberto Tomazoni, comentou sobre o aumento da demanda por milho e farelo de soja, componentes da ração animal: “Ainda no curto prazo vemos preços bastante elevados [para grãos no Brasil]. Indústria do biodiesel está forte, a Ásia importando muito. Não há nada [de queda] no curtíssimo prazo. O momento é bastante desafiador”.
Também na avaliação do CEO da Ambev, Jean Jereissati, o cenário no Brasil tem se mostrado mais inflacionário, ao contrário do final de 2020. “Os preços de prateleira vão acompanhar a inflação. Mas não vou comentar sobre aumentos futuros, pois precisamos observar não o nosso custo especificamente, mas como será o comportamento do consumidor”, afirmou, na teleconferência de resultados da companhia, na semana passada.
Já a M. Dias Branco ressaltou, em seu relatório de resultados, que, a título de readequação dos preços, foi realizado um reajuste médio de 10% pela companhia em janeiro. De acordo com o documento, “houve forte resistência pelo trade, pressionando os volumes até o final de fevereiro”. Mesmo com o repasse, no mês de março, a empresa aumentou o nível de volumes e também a receita líquida. O relatório também diz que: “Em harmonia com a nossa estratégia de crescimento com lucratividade e diante de um cenário de preços elevados das commodities, concentramos os nossos esforços na captura de ganhos de produtividade, no lançamento de produtos com maior valor agregado, no aumento da capilaridade de nossa distribuição, por meio também de novas parcerias, bem como na readequação dos nossos preços, objetivando a recomposição gradual das margens”.
Fonte: SA Varejo