Seca, geada, altas temperaturas e baixa umidade do ar aumentaram o risco de queimadas no Sudeste e Sul do país. Em Minas Gerais, os bombeiros calculam que os incêndios deste ano devem ultrapassar o total de ocorrências registradas no ano passado. No oeste paulista, até agosto já ocorreram 86% do total de queimadas do ano passado. Além do forte calor que se seguiu às geadas de julho, a umidade do ar está extremamente baixa, em nível de alerta.
O município de Morro Agudo, na região de Ribeirão Preto (SP), está coberto de fumaça desde segunda-feira, quando teve início um incêndio de grandes proporções em fazendas e sítios da cidade. Agosto costuma ser o mês mais seco em São Paulo e há pelo menos 30 dias não há chuva significativa na região.
A estimativa é que cerca de 30 mil hectares de plantação de cana-de-açúcar e pastos tenham sido destruídos até a noite de terça-feira, e o combate ao incêndio prossegue. Usinas como Santa Elisa, Vale do Rosário e Bazan, além de proprietários rurais, mobilizaram cerca de 70 caminhões-pipa para conter o fogo, que chegou a atingir a sede de algumas propriedades rurais.
“O fogo tomou uma proporção inimaginável. Nunca tivemos algo desta magnitude”, afirma o coordenador ambiental da prefeitura de Morro Agudo, Fernando Cardoso.
Segundo ele, a seca e a geada deixaram a vegetação nativa e as plantações queimadas e o vento aumentou ainda mais a propagação do fogo. Segundo dados da Climatempo, a umidade relativa do ar na região de Ribeirão Preto nesta terça-feira baixou a 24% e a temperatura atingiu 33°C. Os municípios de Presidente Prudente, Valparaíso (região de Araçatuba) e Paulo de Faria (norte do estado, no limite com Minas Gerais) entraram em estado de alerta, com umidade do ar baixou a 13%, com temperaturas entre 35°C e 37°C.
“Foi muito difícil dormir na cidade nesta noite devido à quantidade de fumaça. E o problema continua”, diz Cardoso. Vários trechos de incêndio foram debelados, mas surgiram novas frentes de fogo do lado oposto da cidade.
Cardoso afirma que ainda não é possível saber como o fogo começou, se por descuido ou intencional. Um helicóptero Águia da PM sobrevoou a região na tarde desta terça-feira para mapear focos e a proporção da área atingida, com apoio do Corpo de Bombeiros de Orlândia.
Segundo o vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), Tirso Meirelles, os 236 sindicatos rurais do estado e os proprietários estão mobilizados para evitar que as queimadas atinjam a mesma proporção de 2020, que teve 2.205 ocorrências. Este ano, elas chegavam a 1.903 de janeiro até o dia 16 de agosto, segundo dados do Inpe.
Em um trabalho conjunto com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, está sendo feita campanha nos pedágios para que motoristas não joguem cigarros à beira das estradas e não soltem balões. As fazendas estão retirando mato com trator na beira das rodovias para tentar formar um bloqueio para o fogo.
Meirelles conta que os pastos, que costumam ser usados até o começo de setembro pelos bois, este ano secaram antes e os pecuaristas já estão usando ração ou silagem (feito com milho e serragem e depositado em buracos nas fazendas, cobertos por plástico. “A seca e as geadas atingiram praticamente todo o estado e o risco de incêndios é alto”, diz ele.
A situação também é de risco em Minas Gerais. O porta-voz do Corpo de Bombeiros, Pedro Aihara, afirma que o pior mês de queimadas no estado é setembro e tudo indica que elas vão superar, em número, as de 2020. Em julho de 2020 os bombeiros receberam 3.627 chamadas. No mês passado, foram 4.326. No último fim de semana os bombeiros receberam 162 chamadas apenas na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“A pior época ainda não chegou e este ano temos uma combinação de fatores. O ciclo de chuvas foi menos intenso e a vegetação está mais seca. A temperatura está alta e a umidade do ar, baixa. Mesmo focos pequenos se propagam rápido em Minas Gerais devido às montanhas, que formam corredores de vento que alimentam a combustão”, explica o tenente Aihara.
Os riscos de queimadas são maiores nas áreas mais secas, como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha. No Triângulo Mineiro, onde predomina a plantação de cana, os termômetros chegaram nesta terça-feira a 32,7°C, com umidade do ar em torno de 21% e 24%.
Em setembro do ano passado, um grande incêndio consumiu parte do Parque Nacional Serra do Cipó, que fica no município de Santana do Riacho, na Região Central de Minas Gerais.
Aihara afirma que as pessoas acham que uma área se recuperou quando volta a nascer vegetação e ficar verde, mas não é isso que acontece. “No lugar da mata nativa nasce uma vegetação invasora e o incremento dela cria material com mais carga de combustão. Devemos atingir o ápice este ano. Depois naturalmente diminuem as queimadas, já que não haverá mais muito o que queimar”, explica.
Segundo Aihara, os incêndios deste ano estão menos concentrados – há mais focos em mais lugares. De acordo com ele, 99% dos casos são fruto da ação humana. As pessoas colocam fogo para limpar pastagens ou queimar lixos e acabam perdendo o controle.
“É preciso conscientizar as pessoas. Isso piora o abastecimento de água, a qualidade do ar e gera o efeito estufa. As queimadas parecem ser algo distante da realidade das pessoas, mas o efeito delas ocorre no nosso dia a dia”, diz ele.
No Paraná, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta alto risco de incêndios na região de Londrina e Marechal Cândido Rondon. Segundo o meteorologista da Climatempo, Fábio Luengo, a situação é de temperatura alta e tempo seco no Norte e Noroeste do estado.
“O município Marechal Cândido Rondon teve hoje a menor taxa de umidade do ar do Paraná, com apenas 16%, e a temperatura chegou a 35°C. É muito calor e ar seco, o que agrava a situação”, diz Luengo.
O diretor de conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica, Luís Fernando Guedes Pinto, afirma que fenômenos climáticos, como secas e frio intenso, cada vez mais extremos e frequentes, como prevê o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, se retroalimentam, agravando os prejuízos.
A SOS Mata Atlântica perdeu entre 50% e 80% de mudas plantadas para restauração do bioma. Elas foram queimadas não pelo fogo, mas pelas geadas de julho. “Tivemos geada e, depois dela, a seca segue muito forte. Se chovesse haveria mais esperança de rebrota das mudas, mas é improvável que isso aconteça”, diz Guedes.
Ele lembra que quanto mais se desmata, maiores as consequências para a agricultura. No bioma Mata Atlântica pelo menos 4 milhões de hectares de áreas de preservação permanente precisam ser recuperados. “Quanto mais se desmata, mais alimenta o monstro da mudança climática. Para a agricultura, é um tiro no pé”, diz ele.
Fonte: O Globo