Seca e geadas devem tirar ao menos R$ 60 bi do PIB deste ano

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Seca e geadas devem tirar ao menos R$ 60 bi do PIB deste ano

23/08/2021

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A seca prolongada e o registro de geadas provocam uma conta de prejuízos econômicos que ganhou força nas últimas semanas e assusta especialistas, empresários e consumidores no país.



Em conjunto, as alterações climáticas espalham reflexos negativos pela economia, atingindo desde a produção agropecuária até o bolso das famílias nas cidades.



Safra menor no campo, aumento de custos para indústria e serviços e escalada da inflação ilustram a sequência de efeitos associados aos fenômenos extremos.
 


O quadro representa um desafio adicional para a tentativa de reação econômica durante a pandemia e, segundo analistas, ameaça atrasar até decisões de investimento de empresas.



Para piorar, as dificuldades não devem se restringir a 2021. O aumento de custos e a pressão inflacionária tendem a ultrapassar a virada do ano.



A consultoria MB Associados estima que, sem os impactos adversos do clima, o PIB (Produto Interno Bruno) poderia crescer 5,5% em 2021. Por causa dos prejuízos com a crise hídrica e o frio intenso, o avanço deve ser menor, de 4,7%.



Na prática, isso significa uma perda de cerca de R$ 60 bilhões para o PIB em razão do clima, aponta a previsão.



Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, essa é uma projeção otimista para as perdas, pois o dano pode ser maior se ocorrerem efeitos mais drásticos do clima sobre a atividade produtiva até o final do ano. Entre eles, está o risco de racionamento de energia elétrica devido à crise hídrica, o que comprometeria a operação de vários setores.



"É uma situação assustadora em termos climáticos. A seca histórica atinge agricultura e energia. O impacto na agricultura já aparece com mais intensidade. Na energia, o efeito até agora é de aumento de preços, mas ainda temos a questão do [risco de] racionamento", analisa Vale. "São questões que não terminam na virada do ano", completa.



As dificuldades climáticas começaram a ganhar corpo com a escassez de chuva no verão. Reservatórios de hidrelétricas foram afetados no Sudeste e no Centro-Oeste. Com isso, usinas térmicas tiveram de ser acionadas, o que aumenta o custo de geração de energia e encarece a conta de luz para os consumidores.



De acordo com o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), os reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste estão com capacidade de armazenamento inferior a 25%.



Enquanto isso, os preços da energia subiram 20,09% para os consumidores no acumulado de 12 meses até julho, apontam dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). O índice de inflação, em termos gerais, chegou a 8,99% no mesmo período.



Para tentar conter a escalada inflacionária, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) passou a subir a taxa básica de juros, a Selic. Os juros mais altos, aliados ao aumento nos custos produtivos com a energia mais cara, jogam contra investimentos de empresas, ressalta Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners.



"Há um impacto nessas decisões. Alguns setores acabam adiando investimentos", comenta.
 


O alerta com a crise hídrica aparece em uma pesquisa recente da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Segundo o estudo, nove em cada dez empresários do setor relatam preocupação com a escassez de chuva.



Os dados apontam que os industriais temem principalmente o aumento nos custos de energia (83%). Possível racionamento (63%) e chance de interrupções no fornecimento de luz (61%) também são ameaças citadas.



"A energia mais alta vai ter reflexos na competitividade das empresas, porque a produção fica mais cara", afirma Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI.



"Vamos entrar no próximo ano com esse efeito de carregamento, com os reservatórios [de hidrelétricas] em níveis mais baixos", emenda.



Depois dos impactos da seca, o registro de geadas em julho, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, agravou a situação de parte das lavouras. O frio intenso queimou plantações diversas, de café e milho a hortaliças e pastagens.



Diante desse quadro, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) cortou sua estimativa para a safra de grãos de 2020/2021. Assim, a produção não deve mais bater recorde. A expectativa atual indica colheita de 254 milhões de toneladas de grãos, volume 1,2% menor frente à temporada anterior.



Em nota, a Conab sublinhou que a redução está associada aos "danos causados pela seca prolongada nas principais regiões produtoras" e "às baixas temperaturas com eventos de geadas".



O produtor de café Joaquim Ribeiro de Ávila, 59, contabiliza os prejuízos com a estiagem e, principalmente, com o frio intenso de julho em Alfenas, no sul de Minas Gerais. Ávila tem plantações distribuídas em duas áreas que somam 28 hectares.



O agricultor conta que parte dos cafezais mais antigos foi totalmente danificada pela geada. Por isso, as plantas terão de ser arrancadas e substituídas, mas as novas mudas só devem começar a produzir em três anos.


"Tenho 23 anos de trabalho com café. Nunca tinha presenciado uma geada dessa magnitude aqui na região", relata.



Culturas como o milho no Paraná e a cana-de-açúcar em São Paulo também foram abaladas pelo frio em julho.



Na visão de analistas, a situação tende a pressionar os preços ao longo da cadeia produtiva, gerando efeitos até as gôndolas dos supermercados. Ainda não há certeza sobre a velocidade e a magnitude dos repasses.



A saca de milho, por exemplo, subiu cerca de 25% neste ano, sinalizam dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). A disparada do café foi ainda maior, na faixa de 70%. A saca da variedade arábica rompeu a barreira simbólica dos R$ 1.000.



Outro efeito da seca e das geadas é o aumento nos custos de alimentação de animais no campo. Com a perda de pastagens devido aos extremos climáticos, o gado passa a receber mais ração, que ficou mais cara com a alta de insumos como o milho. Isso também deve gerar efeitos sobre os valores finais de itens como carne e leite.



No campo, o preço médio do leite já disparou. Conforme o Cepea, o valor pago ao produtor brasileiro em julho chegou a R$ 2,3108 por litro. É o recorde real ---que leva em conta a inflação--- da série histórica, com dados desde 2005.



Na visão do Cepea, foi justamente o aumento nos custos que puxou a elevação, e não a rentabilidade maior para quem aposta na atividade.



O economista Fábio Astrauskas, professor do Insper e sócio-diretor da Siegen Consultoria, afirma que a situação assusta devido ao conjunto de fatores negativos espalhados por diferentes setores. "É um desafio adicional para a economia", define.



Astrauskas também salienta que indústrias podem ter a capacidade de produção reduzida em caso de racionamento de energia.



Para Jacomassi, da TCP Partners, os extremos climáticos reforçam a necessidade de preocupação no país com a preservação ambiental e as políticas de sustentabilidade.



"Essa agenda ainda está um pouco distante do governo atual. Deveria estar mais presente", pontua.


Fonte: Folha de São Paulo

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